Pular para o conteúdo principal

Historiografia #1 - Um Breve Resumo Sobre a Escola Metódica.



Contexto histórico francês:
A Escola Metódica surge na França, no início do século XIX, uma França de forte sentimento patriótico graças a formação de uma unidade nacional. Até então, na França haviam muitas histórias, mas o contexto da III Republica trazia um forte sentimento patriótico e de formação nacional, como já dito. Por conta disso, fazia-se necessário construir uma história que tivesse significado para sua população; era preciso que a população francesa olhasse para trás, para sua história e sentisse segurança para afirmar o presente.
Ao longo do século XIX com todo esse contexto vivido na França, em formar cada vez mais cidadãos patriotas é realizado uma reforma no ensino, em todos os âmbitos, primário, secundário e superior. Ernest Lavisse então elabora, juntamente com um grupo de historiadores, uma coleção intitulada História da França, publicada em 1900, em nove fascículos. Essa ampla reconstituição da história francesa privilegiou o campo político, dando foco nas dinastias, nas figuras ilustres e nas grandes guerras. Esse, entretanto, era uma forma de escrever a história amplamente divulgado na Europa do século XIX, não era um caso único e exclusivo da França.
Os historiadores buscaram introduzir na história uma narrativa objetiva e neutra, que pudesse ser comprovada por meio de fontes e métodos de análise. Para isso, era necessário, primeiramente, afastar a história do modo românico como esta era escrita, na visão dos metódicos a história literária era repleta de sentimentalismo subjetividade e idealismo. Ainda, para os metódicos eram essas paixões políticas e religiosas que seus antecessores possuíam que impediam o avanço da ciência. Muitos historiadores, hoje, apontam essa geração, a metódica, como responsável pela profissionalização da história enquanto disciplina cientifica; contudo, outra vertente de pesquisadores diz que fazer história usando parâmetros científicos já era uma realidade desde a geração anterior aos metódicos. Os historiadores pertencentes à escola metódica, numa explicação rápida e clara, se diziam distantes de qualquer doutrina, desejavam apenas reconstruir o fato histórico a partir das fontes alcançando assim a verdadeira história.

Início da Escola Metódica:
O marco inicial, se assim podemos dizer, é a publicação da Revista Histórica, de Gabriel Monod, em 1876, que teve como objetivo, ser uma coletânea da ciência positivista e um espaço de livre discussão. Vinte anos depois de Monod lançar sua revista, Langlois e Seignobos publicaram seu manual, e em pouco tempo esse já era considerado uma das principais obras no diz respeito aos métodos difundidos naquela época; era referência para a maioria dos historiadores. Interessava a esses historiadores alcançar uma imparcialidade e objetividade em suas produções historiográficas e para isso surgiam cada vez mais técnicas de análise para uma história profissional. Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos, basearam-se nas ideias de Gabriel Monod, fundador da Revista Histórica em 1876, juntamente com Gustave Charles Fagniez e produziram o um manual, uma espécie de enciclopédia, intitulada Introdução aos Estudos Históricos, publicada em 1898, onde continha métodos para os historiadores se basearem no dia a dia de seu oficio.

Objetivo da Escola Metódica:
A escola metódica teve como objetivo fortalecer a pesquisa histórica dentro da França após a derrota do país na guerra franco-prussiana. Os próprios historiadores queriam que a França voltasse a ocupar um lugar de destaque, de superioridade intelectual. O trabalho posposto pelos metódicos para que isso acontecesse ia em discordância a de seus antecessores como: Jules Michelet, François Guizot, Augustin Thierry e entre outros. A forma como esses autores escreviam a história ficou conhecida então como história literária já que a maioria deles eram autodidatas, não possuindo nenhuma formação acadêmica.
Nesse período os historiadores queriam transformar a história em ciência, elaborado métodos e regras para comprovar sua cientificidade; era de interesse deles afastar qualquer relação da história com a literatura ou mesmo o pensamento filosófico, já que esse deixava campos para interpretações e não consistia em algo concreto.

Importância alemã na formação da Escola Metódica:
Muitos pesquisadores afirmam que em relação a escola metódica, os historiadores alemães disponibilizaram toda a base teórica desse conhecimento histórico. Muitos dos historiadores que fundaram a escola metódica tiveram grande influência do conhecimento e da pesquisa histórica que era produzida na Alemanha; muitos deles, inclusive, foram estudar na Alemanha após a guerra franco-prussiana. A influência alemã é tão clara na historiografia metódica que Monod diz “nenhum país contribuiu mais que a Alemanha para dar aos estudos históricos caráter de rigor cientifico”. Podemos dizer que Ranke teve uma enorme importância na transformação da história enquanto ciência, sendo até mesmo chamado de pai da história cientifica. Para ele, os documentos apresentavam uma grande relevância e deles deveriam partir as elaborações e apreensão dos fatos históricos. As publicações alemãs já circulavam por toda Europa nesse período, inclusive com traduções para várias outras línguas; uma delas era a Revista Histórica, fundada em 1859, por Heinrich Sybel. Entre os intelectuais que também publicavam nessa revista estava Leopold von Ranke. Essa revista representava muito bem o pensamento historiográfico alemão e do historicismo que construía uma cultura histórica e uma consciência temporal entre passado e presente que se opunha-a filosofia iluminista. Os metódicos seguiram à risca todos esses princípios. Até mesmo a ideia de elaborar um manual já era praticada pela Escola Histórica Alemã, como o publicado por Droysen em 1858, intitulado Manual de Teoria da História. Era inegável que a Alemanha estava muito mais organizada e modernizada em relação a outros lugares da Europa no mesmo período, final do século XIX. Contava com uma estrutura forte no campo educacional, possuía muitas universidades e um elevado investimento em ciência. Tudo isso era resultado de um processo em que as tradições eclesiásticas foram perdendo espaço enquanto a laicidade passou a ser valorizada. Essa combinação possibilitou um grande avanço no número de pesquisas. Analisando todo esse contexto, os fundadores da escola metódica perceberam que para superar o atraso cientifico francês era necessário um trabalho metódico para servir de base para a verdadeira erudição histórica francesa.
Historiadores como Gabriel Monod e Lavisse foram estudar na Alemanha, foi daí que conseguiram aplicar os princípios científicos da escola alemã à historiografia francesa. Aqui não há nenhuma interdependência entre o sujeito conhecedor (historiador) e o objeto de conhecimento (o fato histórico). O historiador deveria ser livre de qualquer condicionamento social o que iria garantir ser imparcial na análise e na percepção dos acontecimentos. Segundo a escola metódica, a relação cognitiva se dá de uma maneira mecânica. O historiador registra o fato histórico de maneira passiva. A tarefa desse historiador é reunir um número suficiente de dados, baseando-se em documentos seguros, e, a partir desses fatos, e por si só, organizar o registro histórico e deixar interpretar. Aqui não há espaço para qualquer especulação teórica, pois segundo os métodos, esta pode até mesmo ser prejudicial pois introduz elementos do campo da especulação.

Papel dos documentos para os metódicos:
Os metódicos atribuíram um papel essencial ao documento na pesquisa histórica. Em Manual de Introdução aos Estudos Históricos – um conjunto de regras e métodos que visava guiar o historiador em sua função. Escrita por Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos em 1898, livro que norteava os historiadores da época os autores apontam que “a história se faz com documentos escritos. Porque nada substitui os documentos: onde não há documento não há história”. Nesse pequeno trecho fica claro que a principal parte do método tradicional se voltava para o tratamento das fontes escritas. Ainda segundo a enciclopédia, o pesquisador deveria se ater ao passado, distanciando-se o máximo possível, temporalmente, de sua fonte de pesquisa com o objetivo de produzir uma análise mais fidedigna.
Os metódicos defendiam não apenas o uso de métodos de análise, mas também a crítica. O trabalho do historiador parte do documento, em sua organização, analise e critica, sendo essa interna e externa. A crítica externa dos documentos é exercida em três etapas: A) erudição ou autenticidade: que nada mais é que avaliar se o documento é verdadeiro ou falso; B) restituição ou veracidade, que é tentar restaurar o documento ao seu estado original; C) procedência ou localização: determinar a data, o local, a autonomia e a origem. Já a crítica interna ou também chamada de veracidade dos testemunhos é realizada em duas etapas, são elas: A) hermenêutica: uma interpretação que consiste em aprender o contexto exato e o sentido do texto, parte de um conhecimento aprofundado da língua da época e das convenções culturais vigentes no período de sua composição, como por exemplo a etiqueta, formulas de cortesia, estilos; B) critica de sinceridade: que consiste em avaliar se são realmente confiáveis as informações contidas no texto, sendo complementadas pela crítica da exatidão, que restabelece o grau de conhecimento direto efetivo que poderia ter ou não o autor, segundo sua posição em relação aos fatos que enuncia. É uma comparação sistemática de todos os testemunhos disponíveis de cada fato, dado ou processo. Temos também a etapa final, onde o historiador realiza operações sistemáticas que se dividem em cinco fases: comparar os vários documentos para estabelecer um fato particular; reagrupar os atos isolados em quadros gerais; manejar o raciocínio, seja por dedução, seja por analogia, para ligar os fatos entre si e para preencher as lacunas da documentação; a seleção de fatos relevantes na massa de acontecimentos disponíveis ao historiador a partir dos documentos.

Críticas à Escola Metódica:
Uma das primeiras críticas à Escola Metódica está registrada na obra de François Simiand intitulada Método Histórico e Ciência Social, de 1903; essas críticas são também em especial a Langlois e Seignobos. Simiand critica diversas questões, entre elas, a imparcialidade do historiador e sua admiração por “ídolos” referindo-se ao apreço dado aos políticos pelos metódicos. Simiand apropria-se da doutrina dos ídolos de Francis Bacon e adapta livremente para elaborar uma crítica a Escola Metódica, como por exemplo no caso do Ídolo individual que se refere a valorização de história de indivíduos em vez de abordar a visão de instituições e fenômenos sociais.
Essa linha crítica de Simiand vem da escola sociológica fundada por Émile Durkheim que dava muito mais importância ao fenômeno social em relação aos fatos e acontecimentos. Émile Durkheim que também foi outro grande crítico da Escola Metódica, chegando até mesmo chamar aos metódicos de positivistas, termo usado de forma errônea e conotado de concepções incorretas. Por muitas vezes, não foi entendido o distanciamento entre os metódicos, o documento e o fato histórico. Os metódicos compreendem a construção histórica a partir do documento, mas ele não é visto como uma verdade máxima, pelo contrário, o documento passa antes, por diversas analises para que ao final se chegue ao fato histórico.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

História do Brasil #1 - Um Breve Resumo Sobre os Descobrimentos Portugueses.

História do Brasil. Os Descobrimentos Portugueses. Contexto : Ao final da Idade Média, os europeus conheciam apenas uma parcela do mundo, resumidas no Oriente Médio, norte da África e as Índias (nome genérico que usavam para designar o território localizado no extremo Oriente, isso é, leste da Ásia). E ainda, a maioria dos europeus apenas conhecia essas regiões através de relatos, como os feitos por Marco Polo, que partiu de sua cidade em 1217, acompanhado de seu pai e seu tio. Nesse período, a América e a Oceania eram totalmente desconhecidas pelos europeus. As informações contidas pelos europeus estavam em muitos aspectos incompletas ou possuíam, em sua maior parte, elementos fantasiosos, isso era uma herança deixada pela Idade Média. Mas isso começou a mudar nos séculos XV e XVI, quando exploradores europeus, principalmente, espanhóis e portugueses começaram a se aventurar pelos mares, até então desconhecidos. Tudo isso deu origem à um período que ficou conhecido c...

Fichamento #1 - Caras e Modos dos Migrantes e Imigrantes.

CARAS E MODOS DOS MIGRANTES E IMIGRANTES. História da Vida Privada no Brasil - vol 2. Aqui os autores Luis Felipe de Alencastro e Maria Luiza Renaux visam mostrar o fenômeno imigratório ocorrido no Brasil Império; detalham cada uma dessas ondas imigratórias, contando como era o cotidiano dessas pessoas que vinham por opção ou necessidade para o Brasil; mostra ainda, as atitudes tomadas por parte do governo para atrair imigrantes específicos com o objetivo de “branquear” a sociedade e isso é mostrado pelo grande número de imigrantes italianos e alemães que chegaram ao país nesse período; aqui vale ressaltar que teve uma tentativa de trazer imigrantes japoneses, mas por conta também do preconceito racial foi deixado de lado. É uma obra prima que detalha a vida privada desses imigrantes de forma completa. Conta-se os motivos de sua vinda para o Brasil, as dificuldades que encontravam no caminho e principalmente aqueles que enfrentaram quando aqui chegaram, uma cultura diferente,...